“MUTILADAS” – livro de contos
Como sabem eu vivo na Matola, lá, nos confins do que podemos chamar cidade. Como a maioria dos matolenses tenho de fazer viagens quase diárias para Maputo (cidade). Esse percurso gosto de fazê-lo de comboio. Por várias razões, entre elas está no topo a leitura e os encontros, entre conhecidos e desconhecidos. No meio dos desconhecidos estão as mulheres. A forma como elas fazem essas viagens, aproveitando cada minuto para, ou dormir ou conversar, o que diria, pôr a conversa em dia e, principalmente, partilhar as suas vivências, fazer denúncias e lamentações. Percebi nesse ambiente que essas mulheres, na verdade tem esse momento de encontro como espaço de fala, de partilha, com a liberdade de se expressar sobre seus sentimentos, opinar sobre os fenómenos sociais, incluindo a partilha da vida íntima e privada. É como se estivessem diante de um psicólogo ou alguém que lhes daria toda a atenção e ouvido, sem julgar, mas também, às vezes, estão à procura de quem possa entoar com elas o seu lamento.
Esses momentos marcam toda a decisão e fundamento para escrever este livro. Aí encontrei as muitas histórias escritas em "Mutiladas". Estórias sobre famílias (fragmentadas e de uma complexidade de convívio), histórias de violência e de traumas, histórias de pequenos gestos de amor. Essas histórias é que fazem a primeira parte do livro e, quanto a mim, a essência. Só depois vem a saudade, nostalgia, memórias e outras aventuras, como por exemplo, a própria experiência de viagem de comboio.
Seria um engano, porém, concluir que as minhas palavras anteriores explicam, justificam e reflectem os contos que estão no livro. Que não vá, o leitor deixar-se enganar com as falas dos escritores, ainda mais de quem até aqui só publicou poesia. A verdade mais segura é que a literatura é sobre pessoas. Por isso é para elas próprias que se escreve e publica. Pelo que, cada leitor ou leitora encontrará um lugar para si ou para os seus nesse universo. Na literatura, nos livros, acredito – cegamente nisso – é onde a alma humana se expõe no seu mais genuíno modo.
Uma boa leitura
Um abraço amigo
Podia dizer que este livro é duro, um pouco
pesado, até porque encontra as bases na violência, nos sonhos estilhaçados, na
fragmentação, precaridade, degradação, até à perda.
– Eduardo Quive, 2024
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